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Providências cautelares e análise do Acórdão do STA de 14-07-2015
O regime das providências cautelares têm várias particularidades em relação aos outros regimes, aquilo que se pretende é pedir “ao tribunal a adoção de uma ou mais providências destinadas a impedir que, durante a pendência do processo declarativo, se constitua uma situação irreversível ou se produzam danos de tal modo gravoso que ponham em perigo, no todo ou pelo menos em parte, a utilidade da decisão que ele pretende obter naquele processo. [1]
A partir desta definição conseguimos logo encontrar várias características deste regime, desde logo o seu caracter provisório e instrumental, através de uma providência cautelar não se pretende alcançar uma decisão sobre o mérito da causa, o que se pretende aqui é bloquear os efeitos que com o decurso normal do tempo se produziriam. A providência serve como forma de antever e proteger a possibilidade de ocorrência de danos.
Tal como acontece no Processo Civil temos dois critérios que terão que estar verificados para que se verifique então o decretamento da providência, trata-se do periculum in mora e fumus boni iuris.
Desde a revisão de 2015 deixou de existir uma diferenciação de regimes para as providências antecipatórias e conservatórias, alguma doutrina não concorda com esta unificação do regime. [2]
Fazendo então uma breve referência às implicações destes dois critérios, começando pelo periculum in mora, para que seja decretada a providência têm de estar em causa danos que podem vir a ser sofridos se a esta não for decreta, temos de analisar o risco destes danos vieram a ocorrer. Estes danos podem ser “de difícil reparação”.
Uma questão que se coloca quando a este pressuposto é a de saber o que é que significa “fundando receio da constituição de uma situação de facto consumado”. O professor Mário Aroso de Almeida considera que não se trata de critérios baseados na avaliação pecuniária dos danos. Os factos que são alegados pelo requerente deve, demonstrar um fundado receio de que, sendo o caso considerado como precedente, não será possível colocar o requerente na posição inicial, trata-se de “viabilidade do restabelecimento da situação que deveria existir se a conduta ilegal não tivesse tido lugar”.
Quanto ao fumus boni iuri trata-se de analisar a aparência do direito, o juiz tem de verificar se o direito que o requerente invoca existe e se deve ser tutelado, sem que isto seja já uma decisão sobre o mérito da causa, trata-se apenas de uma decisão provisória.
No entanto, apesar de numa situação concreta poderem estar verificados estes dois pressupostos, há ainda um terceiro critério que poderá ser determinante para que a providência não seja decretada, o juiz terá de fazer uma ponderação de interesses, estes interesses serão contraditórios, podem estar em causa interesses privados e públicos ou podem mesmo ser dois interesses públicos.
            No acórdão em análise temos várias questões dentro da matéria das providências cautelares sobre as quais o STA se pronunciou.
A situação que está em causa tem por base o pedido de decretamento de uma providência cautelar, de forma a bloquear o procedimento para o contrato de subconcessão do Metropolitano de Lisboa e da Carris.
A primeira questão abordada é a falta de interesse processual dos requerentes, pois a parte requerida considera que já não existe interesse processual por “já se terem esgotado todos os efeitos da referida resolução” considerando portanto que há “falta de interesse em agir”.
O STA considera que o interesse em agir “consiste no facto de o direito do demandante estar carecido de tutela judicial”, o tribunal acaba por estabelecer aqui a fronteira entre a legitimidade do autor e o interesse em agir, “o autor, sendo embora parte legitima, não ter necessidade de recorrer à tutela do tribunal para a satisfação do seu direito”.
O tribunal considerou que neste caso este pressuposto processual está preenchido considerando que “o interesse que os requerentes vêm invocar é um interesse perfeitamente útil” considerando, contra aquilo que a parte requerida alegava que “não se esgotaram todos os efeitos da referida resolução (…) não resulta dos autos que o procedimento do concurso tenha terminado nem tenham sido celebrados quaisquer contratos.”
            A segunda questão versa agora sobre a legitimidade ativa dos requerentes, os requeridos invocaram a falta de legitimidade ativa com base no facto de “não estar aqui em causa a defesa dos valores e de bens constitucionalmente protegidos que ancorem a instauração de qualquer ação popular”.
Esta alegação surge porque estamos perante uma ação popular e os requeridos consideram que “não estão reunidos os requisitos para lançar mão de uma ação popular”.
O STA considerou que havia legitimidade ativa, interpretando o artigo 9º nº2 do CPTA como meramente exemplificativo e por isso não taxativo, afirma que “a ação popular administrativa aplica-se a todas as espécies processuais que integram o contencioso administrativo”.
            Analisado o interesse em agir e a legitimidade ativa dos requerentes é necessário analisar os requisitos das providências supra enunciados.
Quanto ao fumus boni iuris o tribunal vai avaliar a aparência do direito da requerente. O tribunal declarou que “torna-se necessário que não existam circunstâncias que impeçam o conhecimento de mérito do pedido formulado ou a formular no processo principal, e que exista aparência do direito quanto ao mérito da pretensão.” O tribunal reconheceu que este requisito está preenchido.
Quanto ao periculum in mora os requerentes baseiam-se no argumento de que esta é a única forma de “assegurar a utilidade da decisão principal”, sublinhado que está em causa a defesa do património do Município de Lisboa.
STA afirma “ocorre forte possibilidade de grandes dificuldades, não só em sede de execução e reintegração da ordem jurídica violada como de graves perdas para o erário público comprometendo os interesses que os Requerentes visam assegurar na ação principal”, posto isto o tribunal considerou que este requisito está preenchido.
            Preenchidos estes dois requisitos é necessário averiguar um terceiro requisito que se prende com os interesses em causa, temos por um lado os requeridos, invocando o interesse público do cumprimento do Programa de Assistência Económica e Financeira assumidos com a União Europeia que Portugal tem de conseguir cumprir, contra os requerentes que invocando também um interesse público consideram que vai haver “alterações negativas no serviço público”.
O tribunal tem que fazer um juízo de prognose sobre estes interesses em conflito, sendo que avaliação dos danos não se pode limitar à ponderação de valores pecuniários.
O STA acaba por considerar que “os danos para o interesse público que resultariam da suspensão do ato são superiores aos que podem resultar da sua recusa”, face a isto a sentença proferida foi de “julgar improcedente a pretensão cautelar requerida”.
            Fazendo uma análise global daquilo que foi aqui apresentado podemos concluir desde logo que o facto de o tribunal reconhecer que há legitimidade ativa, que há interesse processual, que se verifica a aparência de um direito, assumindo que este direito carece de tutela e que a falta desta providência vai determinar prejuízos para a parte requerente, isto não se traduz desde logo no decretamento da providência. Tal como foi exposto no caso concreto em análise a ponderação dos interesses em conflito foi determinante para a decisão final.
            Cabendo-me agora tomar aqui uma posição, parece-me que os interesses económicos foram os únicos tomados em consideração pelo tribunal aquando da ponderação dos interesses conflituantes, isto pode ser facilmente explicado pelo período económico que se vivia em 2015, data da decisão do STA, parece-nos que a pressão para conseguir receitas para o Estado foi o factor decisivo neste caso. Desde logo observando a fundamentação da decisão, temos um elenco de argumentos financeiros como “a abertura do mercado irá gerar poupanças (…) 170 milhões de euros”, avançando na leitura do acórdão temos mais uma vez “incumprimento das reformas que o Estado se comprometeu perante as instâncias internacionais, bem como as metas plurianuais” e novamente “risco para a capacidade de resposta aos compromissos financeiros assumidos”.
Depois desta exposição parece-nos que o interesse dos requerentes não foi ponderado devidamente, isto decorre da própria fundamentação do acórdão, a pressão para o cumprimento do Pacto de Estabilidade, o período de crise em que Portugal se encontrava e a necessidade de conseguir através da subconcessão receitas para o Estado.
            A questão da natureza do Metropolitano de Lisboa e da Carris não ficou por aqui, “A subconcessão da Carris e da Metropolitano de Lisboa foi entregue à espanhola Avanza, detida pelo grupo mexicano ADO, num negócio que, segundo os cálculos do anterior Governo, iria representar uma poupança de 25 milhões de euros para o Estado.” No entanto, com a eleição deste governo “Estas concessões acabaram por ser todas anuladas em 2016, com um projeto conjunto do PS e do PEV, aprovado na Assembleia da República”.
Atualmente, “o Metro deixou de ser concessionado a terceiros e a gestão da Carris não só foi transferida para a Câmara de Lisboa.”. Quanto à Carris, “o diploma da transferência da Carris para a autarquia chegou a ser vetado pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa (…) PS, PCP, BE e PEV acabaram por encontrar uma solução para contornar o veto, passando a permitir a possibilidade de haver alienação de capital ou de concessão da Carris. Com uma condição: limitar essa alienação ou concessão “a entidades públicas ou de capitais públicos”.[3]



Beatriz Rodrigues, 28259


[1] Definição do professor Mário Aroso de Almeida em “Manual de Processo Administrativo”, Almedina, 2017
[2] Neste sentido insere-se o Professor Mário Aroso de Almeida.
[3] Citações retiradas de um artigo do jornal online “Economia Online” de 8 de Fevereiro de 2018.

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