Abordagem geral às alterações introduzidas pela revisão de 2015 ao CPTA relativamente ao contencioso cautelar - Providências Cautelares:
O CPTA estabelece o regime
aplicável aos processos cautelares nos artigos 112º a 134º.
Num processo cautelar, o autor
num processo declarativo, já intentado ou a intentar, pede ao tribunal a
adopção de uma ou mais providências, destinadas a impedir que durante a
pendência do processo se constitua uma situação irreversível ou se produzam
danos de tal modo gravosos[1].
O Prof. Vieira de Andrade
acrescenta ainda que este tipo de processos são uma possível via alternativa ao
processo principal, já que este pode facilmente tornar-se excessivamente
burocrático e pouco célere[2].
Estamos, a meu ver, perante um
importante mecanismo de concretização do Princípio da Tutela Jurisdicional
Efetiva, consagrado nos arts. 20º/5 e 268º/4 da CRP.
Caracterizam-se pelos traços da
instrumentalidade, provisoriedade e da sumariedade.
A instrumentalidade transparece
que a providência pode apenas ser intentada pelo autor legítimo que desencadeou
o processo principal e que o processo deve ser definido pelo mesmo, de
modo a assegurar a utilidade da sentença
futuramente proferida – art.112º/1. Desta mesma característica retiramos o
mencionado supra: o processo cautelar não é autónomo, depende sempre da futura
decisão de mérito a proferir sobre o processo principal.
A provisoriedade, por sua vez, demonstra
a possibilidade do tribunal revogar, alterar ou substituir a decisão de adotar
providências se, durante a pendência do processo declarativo, tiver ocorrido uma
alteração das circunstâncias que fundamenta esse mesmo processo (art. 124º/1).
Tal será apenas possível, caso a causa principal seja tida como improcedente,
nos termos do nº 3 do mesmo artigo. Deste modo concluímos que quando perante
uma providência cautelar não encontramos a solução definitiva do litígio, pelo
que o tribunal nunca poderá determinar, através de uma providência a título
definitivo, a constituição de situações que só a decisão proferida no processo
principal pode determinar definitivamente.
A terceira característica é a sumariedade das
providências cautelares, uma vez que o que importa no seu âmbito é que o juiz
proceda, em tempo útil, sumariamente à analise das questões de facto e de
direito que, na ótica cautelar, não impõem uma densa análise. Trata-se, assim,
de uma “cognição sumária da situação de facto e de direito, própria de um processo
provisório e urgente”.
Deste modo, começamos a
compreender o porquê do STA, no acórdão relativo ao processo nº 01902/13,
considerar as providências cautelares “(...)o meio mais capaz de garantir que a
hipotética procedência da ação principal não será inútil, ou seja, quando o
decretamento daquelas medidas seja essencial para assegurar que a decisão a
proferir no processo principal poderá produzir os efeitos que lhe são
próprios.”. Iremos aprofundar o sentido desta posição, através da apreciação
dos requisitos do mecanismo em causa.
Periculum In Mora
É neste preceito que reside
fundamentalmente a função garante da utilidade da sentença, sendo por isso um
importante requisito do mecanismo em causa. A utilidade é aqui assegurada na
medida em que garante que a procedência da ação principal não seja inútil,
sendo o decretamento das medidas essencial para “assegurar que a decisão a
proferir no processo principal poderá produzir os efeitos que lhe são próprios”
– Acórdão STA relativo ao Proc. 01902/13.
Tal requisito encontra-se atual
no art. 120º/1 CPTA: “ (...) quando haja fundado receio da constituição de uma
situação de fato consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação
para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal
(...)”. Neste sentido, de modo a desvendar se haverá ou não fundado receio, o
juiz deve efetuar um juízo de prognose, colocando-se na situação hipotética
futura, de modo a compreender se há realmente razões para recear que a sentença
se torne inútil. Para além do caráter de utilidade destas providências aqui
subjacente, importa referir também a sua função de prevenção contra a demora –
a urgência.
Deste modo, o periculum in mora
de infrutuosidade do processo irá exigir uma providência conservatória (de modo
a preservar a relação existente) e o periculum in mora de retardamento exigirá
a adopção de uma providência cautelar antecipatória (com vista a acelerar
parcial ou totalmente a decisão pretendida).
2) Fumus Boni Iuris
Uma vez preenchido o periculum in
mora, partimos para a análise da aparência de um bom direito - o juiz tem o
dever de avaliar a probabilidade da procedência da ação principal e se esta
demonstra que há probabilidade séria da
existência do direito alegado, assim como do receio da sua lesão, sendo apenas necessária a prova de que a
situação em causa é plausível.
Este requisito, outrora
consagrado no art. 120º/1, alíneas b) e c) CPTA- que manifestava um critério
gradualista consoante estivessem em causa providências antecipatórias ou
conservatórias- encontra-se agora condensado no art. 120º/1/última parte: “e
seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a
ser julgada procedente”. Ora, o atual preceito do CPTA, no seu nº1,
consagra o fumus boni iuris somente na sua formulação negativa (ou na sua
posição de limitação negativa), já que para preenchimento do requisito basta
que não haja uma manifesta falta de fundamento da pretensão formulada. Ora, o
art. em análise, outrora consagrava o fumus boni iuris neste sentido apenas
estando em causa a adopção de providências conservatórias (art.120º/1/b na
formulação anterior).
Já quanto à outrora formulação
positiva do preceito, que incidia sobre a adopção de providências
antecipatórias, encontrava-se contida na alínea c) do nº1 do art.120º -
representava a averiguação da probabilidade da existência do direito invocado,
o que obrigava o juiz a efetuar um juízo de prognose acerca da efetiva
existência desse direito, representando verdadeiro fumus boni iuris.
A tramitação das providências
cautelares continua a assentar no modelo processual geral, distinguindo-se
entre “disposições comuns”, artigos 112º a 127º e “disposições particulares”,
artigos 128º a 134º.
No âmbito do processo comum,
regulado nos preceitos mencionados, o particular passou a ter, a partir da
reforma de 2002, o direito de pedir, em juízo, tutela cautelar adequada ao tipo
de pretensões deduzidas na acção principal, podendo estas pretensões, traduzir-se
na adopção de providências cautelares antecipatórias ou conservatórias, por
força da cláusula geral do artigo 112º, nº1, do CPTA.
A adopção de uma ou mais
providências passou a poder ser solicitada em requerimento próprio, previamente
à instauração do processo principal, juntamente com a petição inicial do
processo principal ou na pendência do processo principal, artigos 114º, nº 1,
alíneas a, b e c.
Por outro lado, o legislador,
conhecedor dos principais domínios típicos em que mais se fazia sentir a
carência de tutela cautelar, avançou com a enumeração exemplificativa e
alargada de medidas cautelares especificadas no número 2 daquele preceito,
admitindo-se, ainda, que o particular pudesse lançar mão das providências
especificadas previstas no Código Processo Civil, com as devidas adaptações.
Na revisão, o legislador eliminou
a referência a “providencias especificadas no CPC”. Optou de modo diferente,
por trazer procedimentos cautelares como o arresto, o embargo da obra e o
arrolamento para o seio do CPTA. Com esta alteração, que constitui uma novidade
absoluta, o legislador terá pretendido sujeitar a sua adopção aos critérios
previstos no CPTA para as demais.
Outra das alterações, em sede de
tramitação processual, reside no facto de o legislador ter aproveitado esta
revisão para articular a tramitação do processo cautelar com os princípios que
regem a acção principal ao nível das modificações da instância.
O requerente passa a poder
ampliar ou substituir o pedido e a oferecer novos meios de prova, permitindo ao
tribunal atender à evolução ocorrida para conceder a providência adequada à
situação existente no momento em que se pronuncia[3].
Outra alteração relevante é a
consagrada no artigo 113º/5 do CPTA, que visa ultrapassar a situação de
desarticulação processual entre o papel do ministério público, enquanto autor
na acção principal e no procedimento cautelar em que está envolvido. Pode agora
o Ministério Público, quando assuma a posição de autor num processo principal[4],
requerer o seguimento do processo cautelar que se encontre pendente.
Releva ainda a alteração ao
artigo 114º do CPTA, relativo ao requerimento cautelar, nomeadamente o
requerimento cautelar tem de continuar a satisfazer os requisitos elencados no
nº1 do artigo 114º do CPTA, tendo agora o legislador acrescentado a indicação
do valor da causa[5].
O legislador introduziu ainda um
novo preceito, o número 4º, onde consagra expressamente que o interessado pode
pedir que a citação seja urgente, nos termos previstos na lei processual. Esta inovação
visa dar valor e força de lei a uma prática corrente nos tribunais, uma vez que
a mora normal da citação não era compaginável com a urgência no acautelamento
do objecto do litígio[6].
Na continuação das alterações,
releva uma bastante importante, diz respeito à possibilidade de o interessado
poder pedir, no requerimento inicial, que o juiz no despacho liminar proceda ao
decretamento provisório da providência, artigo 131º do CPTA.
Alterações quanto aos
pressupostos do despacho liminar, artigo 116º do CPTA, mantém os actuais e
consagra novos, nomeadamente, manifesta falta de fundamento da pretensão
formulada; e a manifesta desnecessidade da tutela cautelar; e ainda, a
manifesta ausência dos pressupostos processuais da acção principal.
Outra novidade relevante está no
artigo 116º/5 do CPTA, segundo o qual, no despacho liminar, o juiz pode
oficiosamente ou a pedido do requerente, decretar a providência requerida ou
que julgue mais adequada.
Encontrando-se as providências
cautelares ao serviço de um processo principal definitivo, o juízo que se faça
sobre a procedência ou não de uma providência tem de ser necessariamente
antecedido de uma avaliação, ainda que perfunctória.
Nas providências conservatórias,
que não se limitam a conservar inalterado o status quo, o legislador optou por
considerar suficiente um fumus menos exigente. Já nas providências
antecipatórias, como estas conduzem, à antecipação provisória do resultado do
processo principal, o legislador não impôs que o requerente fizesse prova perfunctória
do bem.
O critério do Periculum in Mora
manteve-se igual, devendo dar-se por verificado nos casos em que a não
concessão da providência cautelar possa conduzir não apenas a uma situação de
irreversibilidade (impossibilidade de reconstruir a situação inicial) ou seja
ela muito difícil, ainda que possível.
No que diz respeito ao critério
do fumus bonis iuris, o legislador manteve apenas a fórmula do fumus na
vertente utilizada pelo legislador da reforma de 2002 para as providências não
conservatórias, dando-se como preenchido o critério apenas quando seja provável
que a pretensão principal venha a ser julgada procedente.
Princípio da separação de
poderes: doutrina converge para que a intervenção cautelar substitutiva ou
condenatória do juiz administrativo se depare com um limite fundamental: não
pode ser expressão da escolha discricionária dos interesses ou valorações
técnicas que são reservados à administração.
O legislador mantém a
possibilidade de convolação do processo cautelar em processo principal, embora
com sujeição a outros pressupostos. O legislador preocupou-se em garantir um
especial meio de tutela para situações excepcionais de urgência manifesta,
permite-se assim a convolação do processo cautelar em processo principal
urgente, artigo 121º CPTA.
Bibliografia
ALMEIDA, Mário Aroso de, Manual
de Processo Administrativo, Almedina, 2015.
ANDRADE, José Carlos Vieira de, A
Justiça Administrativa, Almedina, 2014.
SILVA, Vasco Pereira da, O
Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, 2.ª Edição, Almedina, 2009.
Rita Isabel Bastos Ramalho
Turma 4º Ano Dia, subturma 11
Nº27922
[1] Manual de
Processo Administrativo, Professor Mário Aroso de Almeida
[2] ANDRADE.
José CarlosVieira de. A Justiça Administrativa... p.304
[3] Disposto
no artigo 113º/4 do CPTA
[4] Nos
termos do artigo 62º do CPTA
[5] Artigo
114º/1, alínea j) do CPTA
[6] “O
Contencioso Cautelar, in Carla Amado Gomes/ Ana Fernanda Neves/ Tiago Serrão,
comentários à revisão do CPTA e do ETAF, Lisboa, AAFDL, 2016.
Comentários
Enviar um comentário