Incompetência em razão da matéria dos tribunais administrativos – contrato de subempreitada
Acórdão nº 08391/12 de 22 de Março de 2012
No douto acórdão, o autor Sociedade
por Quotas (X) intenta ação contra a Sociedade Anónima (Y), tendo a lide por
objeto o incumprimento do contrato de subempreitada para a realização de obras
públicas, entre Y e a Sociedade Anónima T.
Intentada a ação no Tribunal
Administrativo de Círculo, vem este julgar improcedente a exceção dilatória de
incompetência absoluta do Tribunal, afirmando que o contrato de subempreitada
pertence ao foro do direito privado. Desta forma é pedido recurso para o
Tribunal Central Administrativo, tendo o MP concedido provimento ao recurso.
A minha análise centrar-se-á no
acórdão do TAC e do TCA. O objeto do contrato prendia-se com a construção da
ETAR de Vila Real de Santo António, ou seja, obra pública que nos parece cair
no foro dos tribunais administrativos. Num segundo momento, necessitamos de
classificar os sujeitos da relação controvertida. Desta forma verificamos que
tanto autora como a ré são entidades privadas, bem como o terceiro
interveniente. Desta forma, à luz de um critério subjetivo parece ser de
afirmar que os tribunais competentes são os tribunais judiciais.
No entanto, como refere Professor
Vieira de Andrade, o critério subjetivo não garante a atribuição de competência
aos tribunais administrativos, pois, à luz do artigo 1º do ETAF conjugado com o
artigo 212º CRP, cabe na competência dos tribunais administrativos a resolução
de conflitos resultantes das relações jurídico-administrativas. Mas será esta
reserva relativa à relação jurídico-administrativa absoluta ou relativa?! De
outro modo, tem de ser sempre seguido o critério da relação
jurídico-administrativa?! Entende o Professor Gomes Canotilho, juntamente com o
Professor Esteve de Oliveira que esta reserva da jurisdição à relação jurídico-administrativa
é absoluta, querendo isto dizer, que este critério deve ser sempre respeitado
para a delimitação do âmbito de jurisdição administrativa e que só poderiam
haver desvios se constitucionalmente justificados. Por outro lado, o Professor
Freitas do Amaral e Mário Aroso de Almeida, concluem que a reserva da
jurisdição deve ser relativa e neste sentido, existem leis especiais que
permitem desvios a este critério subjetivo da relação administrativa.
Desta forma, podemos ter entidades
privadas, dotadas de poderes públicos ou no exercício desses mesmos poderes que
têm obrigatoriamente de recorrer aos tribunais administrativos para dirimir os
seus litígios, isto porque o direito aplicável é o direito administrativo e o objeto
prende-se também com o direito administrativo. Esta posição da reserva relativa
da jurisdição é legalmente sustentada pelo artigo 4º ETAF, mas facilmente
contradito com a leitura do artigo 2º/ CCP (onde se refere que podem ser
entidades adjudicantes de contratos públicos, também entidades privadas). No
entanto, este critério concretiza-se quando a relação jurídica envolve pelo
menos uma entidade administrativa (artigo 2º/1 CCP), que por sua vez, não é
suficiente.
Como concluído a cima, pode haver
situações jurídicas apreciadas em tribunais administrativos, mesmo quando estas
não nascem de relações entre pelo menos um sujeito de direito público. O Estado
pode não intervir numa relação jurídica administrativa.
Quando o Estado transfere poderes
públicos a particulares, não deixamos de estar perante uma relação jurídica
administrativa. Analisando outro critério que falha, é o critério da
subordinação. Assume-se, assim que uma das partes tenha poderes públicos. Todavia,
tal afirmação não pode ser considerada. A administração quando colabora com
entidades privadas, quando contrata por exemplo, não está a exercer um poder
público. A administração pode agir em relação de paridade com a contraparte.
Existem, ainda assim, dois critérios suscetíveis de aplicação: o critério do
regime jurídico e o critério funcional.
Relativamente ao primeiro, trata-se
de um dos fundamentos do TCA para sustentar a sua decisão no sentido da
incompetência dos tribunais administrativos para apreciar contratos de
subempreitada (decisão que vai no sentido da jurisprudência do STA e do
Tribunal de Conflitos). Segundo este critério, é necessário, para que haja
relação jurídico-administrativa, que o regime jurídico aplicável à situação em
causa seja o direito público. Como referido no acórdão como fundamento de
facto, o contrato de subempreitada, encontra-se regulado por legislação civil
(no artigo 1213º), sendo consequentemente, um contrato de direito privado (se o
olharmos individualmente e sem contextualização de objeto, na minha opinião),
regulado por normas de direito privado, com um (supondo) objeto passível de
apreciação em tribunais judiciais. Como concluirei adiante, este será para mim
um dos argumentos falíveis (a meu ver) por parte do Tribunal Central
Administrativo, uma vez que o contrato de subempreitada é um contrato que não
subsiste individualmente, sem que exista um contrato de empreitada (e neste
caso de obras públicas) antecedente.
Por fim, o último critério assenta
na necessidade de a relação jurídico-administrativa constituída servir para
prosseguir interesses públicos. Mais uma vez, parece-me que, também admitindo
este critério, o sentido da decisão do TCA torna-se infundamentada. Uma vez que
o contrato de empreitada procura a realização da construção de uma ETAR (obra
pública) que tem um interesse público, o objeto deste contrato é estendível ao
contrato de subempreitada, dado que este serve como forma de concretização da
obra pretendida.
Na análise do referido acórdão do
TAC, verificamos que o contrato de subempreitada, idem, não existiria se não
existisse um contrato de empreitada, numa espécie de conditio sine qua non; e se à luz do artigo 4º do ETAF que
densifica a competência (atribuindo ou excluindo matérias) dos tribunais administrativos,
parece-nos que à luz da alínea f) que os tribunais administrativos têm
competência para dirimir litígios sobre a interpretação, validade e execução de
um contrato de empreitada de obras púbicas.
No entanto, o TCA afirma em sentido
contrário. A causa de pedir diz respeito à reclamação de créditos baseados no
contrato de subempreitada, que apenas se encontra regulado no direito privado,
estando desta forma excluído do âmbito de jurisdição administrativa. O douto
acórdão afirma que o contrato se autonomizou em relação ao contrato de
empreitada. Ora no meu entender tal argumento não parece procedente uma vez que
não existia subempreitada sem contrato de empreitada e o objeto dos dois
contratos é o mesmo – a construção da ETAR de Vila Real.
Entende-se por relações jurídicas administrativas
as relações estabelecidas entre duas pessoas coletivas públicas ou entre dois
órgãos administrativos e aquelas em que um dos seus sujeitos (público ou
privado) atua no exercício de um poder de autoridade ou no cumprimento de
deveres administrativos com vista à realização do interesse público.
O TCA, conclui que as relações estabelecidas nas
referidas subempreitadas não gozam destas características. E isto porque nelas
não só não está envolvida nenhuma pessoa coletiva pública como também nenhum
dos seus sujeitos interveio munido de um poder de autoridade ou no cumprimento
de deveres administrativos tendo em vista a realização de um interesse público.
Contudo, como analisado acima, este critério subjetivo é negado, uma vez que pode
existir um contrato suscetível de apreciação por tribunais públicos mesmo que
este tenha sido celebrado entre duas entidades privadas. Sendo assim, não me
parece ser de aceitar este entendimento que desemboca numa redundância dos
elementos atributivos de competência à jurisdição administrativa.
Vem o prestigiado
Tribunal afirmar que apenas o contrato de empreitada pode ser tutelado pelo
direito administrativo. Se aludirmos ao argumento literal do artigo 4º/1f) do
ETAF, uma vez que este dispõe contratos de empreitada e não de subempreitada,
então estes devem ser resolvidos nos tribunais comuns. Atentemos ao regime
substantivo da subempreitada para destrinçar esta questão. O artigo 1213º do
Código Civil, dispõe que subempreitada é o contrato pelo qual um terceiro se
obriga para com o empreiteiro a realizar a obra a que este se encontra
vinculado ou parte dela. Ou seja, o artigo 1213º exige a existência de contrato
prévio de empreitada e a celebração de um segundo contrato. O empreiteiro
continua adstrito para com o comitente a todas as obrigações do contrato de
empreitada e o subempreiteiro obriga-se perante o empreiteiro a concluir a obra
ou parte dela.
O TCA afirma que a
subempreitada não cabe no direito público porque o empreiteiro não comunicou ao
subempreiteiro a existência de uma obra pública. Ora parece-me que tal
argumento também não procede. Aliás, o contrato de subempreitada tem de ter definido
o seu objeto, as vinculações das partes, os prazos para a conclusão da obra,
entre outros. Desta forma não parece ser de aceitar que o subempreiteiro não
tinha conhecimento da existência de obra pública, ainda para mais, sendo o
objeto a construção de uma ETAR, que nos faz pressupor a existência de obra
pública.
Apesar do TCA, STA e do Tribunal
de Conflitos defenderem que a subempreitada não se insere no âmbito do direito
público, isto porque a relação subjacente às mesmas é de direito privado,
parece no caso em apreço limitar a aplicabilidade da alínea f) do artigo 4/1 do
ETAF. Sabemos que as normas jurídicas carecem de interpretação para a sua
aplicabilidade e, no caso em apreço, parece ser de alargar o âmbito da alínea
f) também às subempreitadas quando o objeto seja a construção de uma obra
pública.
A competência dos tribunais administrativos tem vindo a ser alargada nas
matérias relativas a contratos e a responsabilidade civil extracontratual.
Desta forma,
parece ser de incluir na alínea f) as subempreitadas.
David Alvito
Nº28160
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